23/06/2009

Os acampamentos da solidariedade e da dignidade




Segunda, 01 Junho 2009 15:00


Jornal - Internacional
Há já muitos anos que o Conselho Português para a Paz e Cooperação desenvolve no nosso pais acções de solidariedade com o flagelado povo saharaui, forçado ao exílio na Hamada - deserto da Morte – localizado no sul da Argélia, após a ocupação ilegal pelo Reino de Marrocos do seu país – o Sahara Ocidental.Integrada nessas acções, o CPPC prepararou uma missão aos acampamentos de refugiados, que juntou 43 portugueses de todo o País, entre os quais representantes de organizações como o MDM, Fenprof, USL e CGTP-IN, amigos de sempre do povo saharaui e que sempre apoiaram todas as iniciativas do Conselho da Paz. Esta missão teve três objectivos centrais. O primeiro, levar a mais fraterna solidariedade do povo português a todos os homens, mulheres e crianças, que lutam e resistem contra o opressor, em condições extremamente difíceis, tendo como única arma a absoluta convicção que um dia a justiça prevalecerá e a liberdade será uma realidade.Segundo, permitir a todos os que se quiseram somar a este trabalho, a possibilidade de conhecer in loco esta realidade, aprofundando o seu conhecimento, ampliando assim as acções de solidariedade e cooperação no nosso País. E terceiro, fazer a entrega do primeiro apoio financeiro para a reconstrução da escola básica de Dajla, projecto nascido numa anterior visita do CPPC aos acampamentos de refugiados em 2006 e que recebeu um grande e inestimável apoio, de municipios portugueses que a ele se associaram, permitindo que muito brevemente, 630 crianças possam ter um local digno para estudar.Os dias passados no Sahara, entre 6 e 12 de Abril, permitiram-nos verificar que a situação que ali se vive, é verdadeiramente dramática e que configura crime de genocídio como temos vindo a alertar nos ultimos anos. Passarei a referir alguns aspectos que ilustram isso mesmo.A ajuda alimentar da responsabilidade da comunidade internacional, que chega neste momento aos acampamentos de refugiados, dura por norma, para uma semana por cada família. Ao acampamento de Dajla, o camião de ajuda alimentar chega com intervalos de 1 mês ou mais. Os alimentos chegam na maioria das vezes em más condições devido ao longo transporte a que estão sujeitos. E como se não bastasse, a qualidade dos alimentos é péssima e as sacas de arroz e outros géneros trazem pedras misturadas para “aumentar” o peso da ajuda enviada.A electricidade que existe em Dajla é produzida através da ligação de pequenos painéis solares ligados a baterias de automóveis. O Hospital usufrui apenas de três horas diárias de electricidade.A escola, que deveria acolher 630 crianças, é um monte de paineis de contraplacado e não funciona há mais de 3 anos.Poderia enumerar todas as carências materiais e de infra-estruturas sem nunca conseguir transmitir de facto o que este povo sofre.Estamos perante um sofrimento e uma justa revolta contra a ocupação do seu país por Marrocos que força mais de 200.000 pessoas ao exílio, num deserto de inferno onde durante horas não se avista qualquer tipo de vegetação, enquanto que o governo marroquino e o seus amigos usufruem de toda a riqueza do Sahara Ocidental ocupado.
Europa é cúmplice
A cumplicidade dos governos europeus com Marrocos, permite que se arraste há mais de três décadas uma situação condenada várias vezes internacionalmente. Esta cumplicidade criminosa, permite que não se realize o referendo da autodeterminação do povo saharaui, e que se continue a empatar uma solução que ponha fim à ocupação com “rondas de negociação” sucessivas, dando tempo a Marrocos para prosseguir a sua politica genocida do povo saharaui.Ao mesmo tempo que este povo sofre o que ninguém deve sofrer, abre-nos as portas das suas tendas e partilha tudo o que tem da forma mais hospitaleira que alguma vez vivi. Chama-nos família. Passamos a ser a família portuguesa da família saharaui que nos acolheu. E ao visitar os acampamentos, as suas escolas, as escolas de ensino especial, as escolas de mulheres, os hospitais, os locais onde os jovens se podem encontrar, o que mais saltou à vista não foi a miséria das instalações, a falta de equipamento, a falta de material escolar. O que vi mais que tudo, foi uma vontade férrea de sobreviver com dignidade. A vontade de se prepararem para o futuro, o futuro que só pode ser na sua terra.Vi e vivi uma solidariedade imensa nascida nas suas tradições e costumes: o pouco que há, divide-se com os vizinhos, com os desconhecidos. E os que estão sós, sejam mulheres ou idosos são acarinhados, alimentados, por todo o acampamento.Quando perguntamos a qualquer saharaui o que precisa, eles respondem sempre “Precisamos da nossa terra!”É óbvio que necessitam de ajuda alimentar e material neste momento. Procuramos corresponder a essa necessidade com um pequeno contributo que envergonhadamente entregamos. Longe estavamos de imaginar que os cerca de 50 quilogramas de medicamentos que esta delegação entregou, eram quatro vezes mais do que havia no hospital, ou que o material escolar entregue servirá as necessidades de mais de 1.000 crianças. Mas o que nos pediram vezes sem conta nas famílias, em todas as instituições, foi para sermos a sua voz que que a usássemos para contar a injustiça a que estão sujeitos. Que as nossas vozes fossem ouvidas pelos vizinhos, nas escolas, nos locais de trabalho, e que os que tenham a paciência de nos ouvirem, passem a mensagem: “Somos Saharauis, roubaram-nos a nossa terra, temos direito à nossa autodeterminação.”E acrescento: São Saharauis, roubaram-lhes as suas terras, e o direito à sua autodeterminação. Unamos as nossas vozes e as nossas forças para que possam voltar à sua terra, e aí criarem os seus filhos em paz, numa pátria livre e independente.

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