
Polisário admite voltar às armas
01.06.2009,
Isabel Gorjão Santos
Salem Lebsir, dirigente da Frente Polisário, apela ao Conselho de Segurança e diz que os sarauis não podem "ficar à espera no deserto"
Há 34 anos que a Frente Polisário luta pela independência do Sara Ocidental, tempo de mais para muitos sarauis que vivem no território ocupado por Marrocos em 1975 e para os 165 mil que fugiram para os campos de refugiados no Sul da Argélia. O governador de um desses campos, o de Dakhla, Salem Brahim Lebsir, está em Lisboa e põe a hipótese de um regresso à luta armada se as negociações falharem. "Não queremos voltar à guerra, não queremos romper o cessar-fogo. Mas, se nos obrigarem, o que vamos fazer?"A guerra no Sara Ocidental, que durante 15 anos opôs a Polisário ao Exército marroquino, terminou em 1991 com um acordo de cessar-fogo e a expectativa de um referendo organizado pelas Nações Unidas, que criou uma missão específica para o efeito, a Minurso. Agora a Polisário volta-se para o novo enviado da ONU para o Sara Ocidental, Christopher Ross, para o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou para a nova Administração norte-americana. E, se tudo falhar, põe a hipótese de um novo conflito. "Voltar a pegar em armas é uma das hipóteses que temos", diz Salem Brahim Lebsir, que é também membro do secretariado nacional da Frente Polisário e está em Portugal a convite do Conselho Português para a Paz e Cooperação. Em entrevista ao PÚBLICO, sublinhou que a Polisário "não quer a guerra", mas admitiu que a violência possa regressar ao território no próximo ano. "Preferimos morrer a combater do que ficar ali à espera, em pleno deserto, mais do que 34 anos". Muitos sarauis nunca conheceram outra casa senão esse "pleno deserto" que são os acampamentos de refugiados, cada um com o nome de uma cidade do Sara Ocidental que ficou para trás.Salem Lebsir hesita quando lhe perguntam sobre a nova ronda de negociações que não tem data marcada. Em 2007 chegou a haver negociações mediadas pela ONU perto de Nova Iorque, mas não houve acordo. Agora o enviado especial da ONU visitou Marrocos, Argélia, França e Espanha. Lebsir recorda o encontro com os representantes da Polisário: "Dissemos que queremos o referendo e ele respondeu que vai fazer um esforço para chegar a uma solução". Mas Salem Lebsir não está muito optimista. "Não vemos vontade por parte do Conselho de Segurança. A França continua a apoiar Marrocos. Os americanos ainda não tornaram clara a sua posição. No tempo de Bush estavam com Marrocos e agora, com Obama, ainda não sabemos qual é a posição política em relação ao Sara Ocidental", diz. "E se o Conselho de Segurança não pressionar Marrocos para que aceite um referendo, não creio que o enviado especial vá resolver o problema".As principais acusações vão, no entanto, para Rabat. "Marrocos mantém a sua posição de autonomia e nós defendemos um referendo com três opções: autonomia, independência e integração em Marrocos", explica Lebsir. A Frente Polisário tem defendido que o referendo se faça a partir do recenseamento realizado por Espanha ainda em 1973, quando o Sara Ocidental estava sob domínio espanhol, e não um recenseamento feito após a ocupação marroquina através da operação Marcha Verde, em 1976. "Marrocos quer que a população marroquina que vive agora no Sara Ocidental tenha direito a votar, e isso não podemos aceitar".
Em Dakhla à espera de regressa
Há quem tenha deixado a casa há 34 anos e quem nunca tenha conhecido nada além das tendas e casas de adobe a 175 quilómetros da cidade argelina de Tindouf. No acampamento sarauí de Dakhla vivem cerca de 30 mil refugiados que deixaram o Sara Ocidental após a ocupação marroquina. As temperaturas ultrapassam muitas vezes os 40 graus Celsius, falta comida. Em Maio, a sexta edição do Festival Internacional de Cinema do Sara trouxe alguma animação ao acampamento."Os dias passam com as crianças a estudar e as mulheres a trabalhar na saúde, no fabrico de têxteis de lã e a cuidar dos mais pequenos e dos mais velhos", conta Salem Lebsir, o governador do acampamento. Fala das mulheres porque são elas que ali vivem, com as crianças e idosos, enquanto os homens estão em unidades militares. "Agora não há guerra, mas nos acampamentos são as mulheres que se ocupam da saúde, das oficinas, de toda a gestão diária."Em Abril, o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) coordenou uma visita de 43 portugueses àquele acampamento. Um dos objectivos foi avançar com um projecto de construção de uma escola para 630 crianças, com 14 salas de aula, refeitório e cozinha. Sandra Benfica, do CPPC, recorda que quando recebeu o orçamento fez a conversão de moeda várias vezes para ver se as contas davam certo: eram 30 mil euros, nada que não se conseguisse com alguma imaginação. Com o apoio de várias autarquias portuguesas, a escola ficará concluída em Dezembro, e foi no âmbito dessa cooperação que o CPPC convidou o governador do acampamento a visitar Portugal.Dakhla tem sete municípios e um hospital regional, mas está completamente dependente de instituições internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. "A alimentação que chega é igual desde o princípio até agora", lamenta Lebsir. "É insuportável. Não somos refugiados de um ano ou de meses". Por iniciativa do realizador de documentários peruano Javier Corcuera, começou a realizar-se no acampamento o Sahara International Film Festival, cuja sexta edição decorreu no início de Maio e que tem ganho alguma notoriedade com a ajuda da actriz Penélope Cruz ou do realizador Pedro Almodóvar. Salem Lebsir lamenta a falta de comida no acampamento de Dakhla, onde vivem cerca de 30 mil refugiados .
34 anos de conflito
01.06.2009
1975O Tribunal Internacional de Justiça decide que a população deve ser ouvida sobre a soberania do Sara Ocidental, que deixa de estar sob domínio de Espanha nesse ano. Decorre a "Marcha Verde" e Marrocos ocupa o território.1976A Frente Polisário proclama a República Árabe Sarauí Democrática1976-1991Conflito armado. Em 1991 as Nações Unidas criam a Minurso, com o objectivo de organizar um referendo.1996ONU suspende o referendo2007-2008Há negociações, mas não chegam a qualquer resolução.