24/06/2009
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23/06/2009
Os acampamentos da solidariedade e da dignidade
Jornal - Internacional
Há já muitos anos que o Conselho Português para a Paz e Cooperação desenvolve no nosso pais acções de solidariedade com o flagelado povo saharaui, forçado ao exílio na Hamada - deserto da Morte – localizado no sul da Argélia, após a ocupação ilegal pelo Reino de Marrocos do seu país – o Sahara Ocidental.Integrada nessas acções, o CPPC prepararou uma missão aos acampamentos de refugiados, que juntou 43 portugueses de todo o País, entre os quais representantes de organizações como o MDM, Fenprof, USL e CGTP-IN, amigos de sempre do povo saharaui e que sempre apoiaram todas as iniciativas do Conselho da Paz. Esta missão teve três objectivos centrais. O primeiro, levar a mais fraterna solidariedade do povo português a todos os homens, mulheres e crianças, que lutam e resistem contra o opressor, em condições extremamente difíceis, tendo como única arma a absoluta convicção que um dia a justiça prevalecerá e a liberdade será uma realidade.Segundo, permitir a todos os que se quiseram somar a este trabalho, a possibilidade de conhecer in loco esta realidade, aprofundando o seu conhecimento, ampliando assim as acções de solidariedade e cooperação no nosso País. E terceiro, fazer a entrega do primeiro apoio financeiro para a reconstrução da escola básica de Dajla, projecto nascido numa anterior visita do CPPC aos acampamentos de refugiados em 2006 e que recebeu um grande e inestimável apoio, de municipios portugueses que a ele se associaram, permitindo que muito brevemente, 630 crianças possam ter um local digno para estudar.Os dias passados no Sahara, entre 6 e 12 de Abril, permitiram-nos verificar que a situação que ali se vive, é verdadeiramente dramática e que configura crime de genocídio como temos vindo a alertar nos ultimos anos. Passarei a referir alguns aspectos que ilustram isso mesmo.A ajuda alimentar da responsabilidade da comunidade internacional, que chega neste momento aos acampamentos de refugiados, dura por norma, para uma semana por cada família. Ao acampamento de Dajla, o camião de ajuda alimentar chega com intervalos de 1 mês ou mais. Os alimentos chegam na maioria das vezes em más condições devido ao longo transporte a que estão sujeitos. E como se não bastasse, a qualidade dos alimentos é péssima e as sacas de arroz e outros géneros trazem pedras misturadas para “aumentar” o peso da ajuda enviada.A electricidade que existe em Dajla é produzida através da ligação de pequenos painéis solares ligados a baterias de automóveis. O Hospital usufrui apenas de três horas diárias de electricidade.A escola, que deveria acolher 630 crianças, é um monte de paineis de contraplacado e não funciona há mais de 3 anos.Poderia enumerar todas as carências materiais e de infra-estruturas sem nunca conseguir transmitir de facto o que este povo sofre.Estamos perante um sofrimento e uma justa revolta contra a ocupação do seu país por Marrocos que força mais de 200.000 pessoas ao exílio, num deserto de inferno onde durante horas não se avista qualquer tipo de vegetação, enquanto que o governo marroquino e o seus amigos usufruem de toda a riqueza do Sahara Ocidental ocupado.
Europa é cúmplice
A cumplicidade dos governos europeus com Marrocos, permite que se arraste há mais de três décadas uma situação condenada várias vezes internacionalmente. Esta cumplicidade criminosa, permite que não se realize o referendo da autodeterminação do povo saharaui, e que se continue a empatar uma solução que ponha fim à ocupação com “rondas de negociação” sucessivas, dando tempo a Marrocos para prosseguir a sua politica genocida do povo saharaui.Ao mesmo tempo que este povo sofre o que ninguém deve sofrer, abre-nos as portas das suas tendas e partilha tudo o que tem da forma mais hospitaleira que alguma vez vivi. Chama-nos família. Passamos a ser a família portuguesa da família saharaui que nos acolheu. E ao visitar os acampamentos, as suas escolas, as escolas de ensino especial, as escolas de mulheres, os hospitais, os locais onde os jovens se podem encontrar, o que mais saltou à vista não foi a miséria das instalações, a falta de equipamento, a falta de material escolar. O que vi mais que tudo, foi uma vontade férrea de sobreviver com dignidade. A vontade de se prepararem para o futuro, o futuro que só pode ser na sua terra.Vi e vivi uma solidariedade imensa nascida nas suas tradições e costumes: o pouco que há, divide-se com os vizinhos, com os desconhecidos. E os que estão sós, sejam mulheres ou idosos são acarinhados, alimentados, por todo o acampamento.Quando perguntamos a qualquer saharaui o que precisa, eles respondem sempre “Precisamos da nossa terra!”É óbvio que necessitam de ajuda alimentar e material neste momento. Procuramos corresponder a essa necessidade com um pequeno contributo que envergonhadamente entregamos. Longe estavamos de imaginar que os cerca de 50 quilogramas de medicamentos que esta delegação entregou, eram quatro vezes mais do que havia no hospital, ou que o material escolar entregue servirá as necessidades de mais de 1.000 crianças. Mas o que nos pediram vezes sem conta nas famílias, em todas as instituições, foi para sermos a sua voz que que a usássemos para contar a injustiça a que estão sujeitos. Que as nossas vozes fossem ouvidas pelos vizinhos, nas escolas, nos locais de trabalho, e que os que tenham a paciência de nos ouvirem, passem a mensagem: “Somos Saharauis, roubaram-nos a nossa terra, temos direito à nossa autodeterminação.”E acrescento: São Saharauis, roubaram-lhes as suas terras, e o direito à sua autodeterminação. Unamos as nossas vozes e as nossas forças para que possam voltar à sua terra, e aí criarem os seus filhos em paz, numa pátria livre e independente.
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22/06/2009
Saharauis: o povo que o mundo esqueceu
1-06-2009 Reportagem
São quatro da manha quando finalmente chego ao destino final - o deserto Hamada a sudoeste da Argélia. No aeroporto de Tindouf, uma cidade construída em redor de uma base militar, aguarda-me Malainin Lakhal, um jornalista Saharaui representante da Frente Polisario que será o meu guia, tradutor, guarda-costas e excelente fonte de informação durante a minha visita a região. Após ultrapassadas todas as formalidades e burocracias comuns a uma zona de conflito, é tempo de mudar de transporte e iniciar as duas horas de viagem de jipe pelo deserto guiados apenas pela forte luz do luar. É durante esta viagem que tenho a oportunidade de iniciar o meu trabalho ao pedir a Malainin que me fale um pouco de si. Fotografia e texto por Paulo Nunes dos santos
Á semelhança de mais de 200,000 Saharauis, Malainin viu-se forçado a abandonar a sua terra natal, deixando para trás os seus pais, irmãos, mulher e filhos. “Passaram já 17 anos desde a última vez que vi os meus filhos”, conta Malainin. “Era estudante universitário em Agadir (Marrocos) quando me envolvi em manifestações pela liberação do Sahara Ocidental. Como Saharaui é o meu dever lutar pela independência e liberdade do meu povo”.
Malainin, juntamente com outros activistas, foi um dos elementos envolvidos na Intifada de 1992 no sul de Marrocos e zonas ocupadas do Sahara Ocidental. Nessa mesma altura foi capturado, espancado e torturado pela polícia secreta marroquina. “Este sou eu nos dias a seguir a minha captura”, diz Malainin ao mostrar-me uma fotografia de um rosto maltratado e praticamente desfigurado. Contínua, explicando que enquanto aguardava julgamento, teve a oportunidade de fugir. Juntamente com dois companheiros atravessou o deserto, durante uma semana a pé, desde Laayoune (cidade militarmente ocupada e controlada por Marrocos) até aos campos de refugiados na Argélia. Durante esta viagem teve de atravessar o famoso muro construído por Marrocos, que divide o Sahara Ocidental de norte a sul. “Não foi fácil, porque tivemos de atravessar as zonas fortemente minadas sem que as tropas marroquinas se aperceberem”. Nos anos que se seguem, Malainin é julgado à revelia, e condenado a nove anos de prisão. Desde o dia que deixou Laayoune nunca mais teve a oportunidade de voltar a ver a sua família e amigos que deixou para trás.
Fascinado pela história de Malainin, a viagem até ao campo de refugiados passa num ápice. “Este é o 27 de Fevereiro”, informa-me Malainin. Á semelhança de todas as outras habitações neste campo, a construção é rudimentar. As casas são pequenas, feitas de tijolos de lama e palha, não existe água canalizada nem rede de esgotos. Quando as ocasionais chuvas torrenciais assolam esta inóspita parte do Sahara as inundações destroem-nas por completo, rotina que obriga a uma (re)construção sistemática desde a 34 anos.
Após duas horas de descanso, despertado pelo calor abrasador típico do deserto e pelas moscas que insistem em sobrevoar a minha cara, segue-se o pequeno-almoço e o primeiro contacto com fantástica hospitalidade do povo Saharaui. Café, pão fresco e doce de pêssego são-me servidos numa mesa tipo tabuleiro onde o tradicional chá de menta está também a ser preparado. Com a ajuda de Malainin tento obter um pouco de informação sobre a família anfitriã. É então que me contam a historia de Elkeihel, o dono da casa, activista e poeta Saharaui que, á semelhança de muitos outros, passou a sua infância nos territórios ilegalmente ocupados por Marrocos e viveu de perto a opressão e tortura do regime de Rabat.
Filho de uma revolucionária, Elkeihel passa a maior parte da sua vida na clandestinidade e ao fim de 12 anos consegue finalmente reunir-se com a sua mãe, avó e irmãos nos campos de refugiados. Hoje em dia Elkeihel trabalha como jornalista para a Radio Nacional criada pela Frente Polisário nos campos de refugiados, e tornou-se um símbolo vivo da resistência Saharaui.
De 27 de Fevereiro parto para outro campo, Rabouni, onde os edifícios dos ministérios do governo da Republica Democrática Árabe Saharaui estão estabelecidos. Apesar de ser o campo onde está a sede do governo em exílio, Rabouni tem o mesmo aspecto que os outros campos. Algo que me chama á atenção é o facto de que independentemente do cargo, posição ou importância das pessoas nestes campos, toda a gente vive nas mesmas condições. Pude confirmar este facto, quando uns dias mais tarde sou convidado a casa de Bouhabini Yahia, o presidente do Crescente Vermelho Saharaui (Saharawi Red Crescent - SRC) para lhe fazer uma entrevista. A sua casa é e contem exactamente o mesmo que as outras casas das famílias onde pernoitei e visitei.
No total existem 5 campos de refugiados: 27 de Fevereiro, Rabouni, Smara, Dajla e Laayone. Entre eles, estima-se uma população de 200 mil pessoas.
Construções rudimentares, as improvisadas vedações para as cabras, as ocasionais antenas parabólicas, os pequenos painéis solares e escassos depósitos de água, completam a paisagem árida destes campos. Negócios são quase inexistentes, e as poucas lojas que existem servem apenas para abastecer a população com os mais básicos dos produtos. Em cada campo existe também um jardim colectivo que, devido a escassez de agúa, permite apenas uma produção mínima que é distribuída por hospitais e população em geral.
Os refugiados que estão classificados em duas categorias - Vulneráveis (75 mil) e Muito Vulneráveis (125 mil), dependem unicamente da ajuda humanitária internacional que, segundo Bouhabini Yahia presidente da SRC não é suficiente para garantir as necessidades básicas de todos. ” Toda os refugiados nestes campos dependem de ajuda humanitária. Todos sem qualquer excepção. Mas Infelizmente estão muito longe de receber ajuda suficiente”, afirma. No entender de Bouhabini as Nações Unidas são em muito responsáveis por esta situação, afirmando que “não levam a serio a situação em que esta gente vive”. Acrescenta ainda que “não é aceitável que as Nações Unidas classifique estes refugiados com um estatuto de Emergência desde que os campos foram criados”. O facto de não serem classificados como refugiados não permanentes significa que a quantidade de ajuda humanitária recebida não vai ao encontro das necessidades reais da população.
Existe no entanto, uma forte participação da comunidade civil espanhola que em geral, e ao contrário do governo (o principal responsável pelo conflito, pelo facto de ter abandonado a ex-colonia a mercê da politica imperialista dos países vizinhos), reconhece o direito a um estado independente e sente a obrigação moral de apoiar os Saharauis. São várias as Organizações Não Governamentais (ONG) espanholas com um papel activo na ajuda aos Saharaui, com acções que vão desde a distribuição de água potável á implementação de escolas e acções de formação técnica de varias vertentes.
De caminho ao sul, é altura de visitar o campo de Smara, o maior e mais populacionado da região. Zorgan, um outro representante da Frente Polisário, leva-me numa visita guiada ao campo, passando pelo hospital, escola, jardim e pelo único cemitério da região. Na realidade, Smara não é mais do que os outros campos por onde passei, um aglomerado de casas feitas de tijolos de barro e com telhados de zinco, estradas de areia, depósitos de água e muitas vedações para cabras.
Terminada a visita, Zorgan faz questão que o acompanhe a sua casa e me junte à família durante a hora de almoço. Aceito o convite sem excitações. À chegada sou recebido com o maior dos entusiasmos pela mulher e filhos de Zorgan que me guiam até ao compartimento onde o tradicional chá de menta é imediatamente servido, seguido de uma caldeirada de camelo, batatas fritas e feijão. A seguir ao almoço, Zorgan conta-me um pouco da sua história de vida e paixão pela causa Saharaui. “O facto de ter perdido um braço quando era criança, não impediu de (aos 17 anos) me juntar a guerrilha e lutar pelo meu povo”, diz Zorgan com um orgulho evidente. Quando lhe pergunto se voltaria a fazer o mesmo, afirma com convicção que “se a guerra recomeçar estarei pronto para dar a minha vida pela independência e pela liberdade dos meus filhos e gerações futuras”. É altura de descansar por umas horas antes da longa viagem até ao próximo campo.
Após várias horas de viagem, debaixo de um calor intenso e coberto de pó e areia, chego a Dajla, o mais isolado de todos os campos. Dajla, construído praticamente nas dunas do Sahara, é disperso, com casas ainda mais frágeis do que nos outros campos. Malainin explica-me que o único poço de água existente no campo esta agora praticamente seco, e o minúsculo jardim que durante vários anos existiu junto a esta fonte de água tornou-se impossível de manter. A única água a que os habitantes de Dajla têm acesso, é distribuída por camiões cisterna uma vez por semana. O difícil acesso e longa distancia a percorrer torna impossível um abastecimento mais regular.
Num esforço para minimizar o isolamento dos refugiados estabelecidos em Dajla, as autoridades decidiram desde a dois anos atrás usar este campo como palco para o FISAHARA - um festival internacional de cinema organizado para os refugiados Saharaui. Este festival, que esta agora na sua sexta edição, foi criado com o intuito de proporcionar aos refugiados a participação em actividades culturais e acções de formação a nível cinematográfico e escrita criativa, e implementar uma plataforma de divulgação da cultura tradicional Saharaui. Este projecto, que conta com a participação e apoio de nomes importantes no mundo das artes a nível internacional, tenciona também alertar a comunidade internacional para as condições de vida a que os Saharaui estão sujeitos.
Com todo o ambiente de festa proporcionado pelo FISAHARA é fácil esquecer as dificuldades a que este povo está sujeito desde a 34 anos. Mas são acções como esta que mantêm viva a esperança e o sonho de um dia poderem voltar a sua terra natal, de verem unido o território que por direito lhes pertence.
[Continua...]
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