ALGURES, NO DESERTO, O POVO SAHARAUÍ SOFRE E CONTINUA A LUTAR
POR LIBERDADE
http://www.fenprof.pt/Download/FENPROF/M_Html/Mid_183/Anexos/Sahara.pdf
À generalidade dos portugueses, a sigla R.A.S.D. nada diz, mas quer dizer República
Árabe Saharauí Democrática.
Contrariando regras elementares do direito internacional, o reino de Marrocos ocupou
a maior parte do território da vizinha R.A.S.D., tendo nele construído um muro com um
comprimento de 2.700 quilómetros de comprimento, instalando-se do lado “fértil”, onde
existe uma importante reserva piscícola, bem como importantes jazigos de fosfatos,
deixando para o povo saharauí apenas deserto.
Vivendo nesses territórios não ocupados e, principalmente, em zonas fronteiriças um
pouco menos inóspitas, que são já terreno argelino, o povo saharauí organiza-se nos
seus acampamentos e, em condições quase limites, sobrevive.
Dependendo quase exclusivamente da ajuda humanitária que lhes chega, os
saharauís apostam fortemente na juventude e na sua educação e formação. Na
R.A.S.D., encontrámos escolas, muitas escolas, e uma grande preocupação com o
ensino e a educação das crianças e jovens. Por exemplo, no acampamento de Dajla
há seis escolas que acolhem cerca de 3.000 alunos para os quais existem 476
professores. As salas dos jardins de infância, nestes acampamentos, organizam-se
por grupos etários. Sempre que possível, as escolas básicas têm um máximo de 20
alunos por turma. As secundárias são apenas três para todo o território, o que exige
que muitos jovens permaneçam longos períodos de tempo separados das suas
famílias, em regime de internato. Uma delas, a Escola Secundária 10 de Outubro, para
ficar equidistante dos acampamentos foi construída em pleno deserto, só sendo
possível aí chegar de jipe e graças à perícia e extraordinária capacidade de orientação
dos seus condutores.
Aceder ao ensino superior só por solidariedade de alguns países, destacando-se três:
Argélia, Líbia e Cuba. Nos acampamentos encontram-se, ainda, escolas de educação
especial que se organizam por valências, havendo nelas professores com formação ou
experiência que parecem fazer milagres.
Cadernos, livros, demais material escolar chega pelos caminhos da solidariedade, não
havendo outra forma de os fazer chegar. Formação de professores e seu
acompanhamento em trabalho na sala de aula são também garantidos pela via
solidária, encontrando-se muitos professores e formadores provenientes de Espanha,
que dedicam as suas interrupções lectivas e, mesmo, as férias a esta causa maior e
solidária.
É este povo que vive nas suas “haimas” (tendas ou casas de adobe), que se alimenta
do que há quando há (muitas vezes, há pouco mais do que chá carregado de açúcar
para enganar a fome), que não tem estradas para chegar aos acampamentos, sendo,
por isso, obrigado a atravessar areais imensos com muitos quilómetros de extensão,
que pode acordar com uma tempestade de areia, recolher-se à tarde para escapar aos
50 graus e deitar-se com uma tempestade diluviana, é este povo que continua a lutar
pelo direito a ser feliz no território que é seu, mas foi usurpado pelo expansionismo
marroquino.
A riqueza existente no território saharauí é usufruída por Marrocos, quer através do
acordo de pescas que a União Europeia ali mantém, permitindo-lhe pescar, só naquela
costa, 900.000 toneladas de peixe por ano, quer extraindo fosfatos que rendem aos
marroquinos, por dia, tanto quanto os saharauís recebem, por ano, em ajuda
humanitária.
É neste quadro, tão difícil e complexo, que o povo continua a lutar pela sua auto-
determinação e exige a realização do referendo que, há quase duas décadas, foi
decidido pela ONU, mas que Marrocos não aceita que se reja por regras justas e
transparentes. Este povo exige, também, a libertação dos seus presos, exige saber
onde se encontram os seus desaparecidos, exige poder circular em liberdade num
território que é seu.
Na manifestação realizada em 10 de Abril, p.p., junto do muro da vergonha construído
por Marrocos para dividir a R.A.S.D., sobressaiam as mulheres e jovens que gritavam
por liberdade, arremessavam pedras contra a tropa ocupante que se exibia do lado de
lá do campo minado, arrancavam vedações feitas com troncos e arame farpado para
dividir o território e separar as famílias… revoltado, um jovem, de bandeira
empunhada, tentou colocá-la na zona proibida, para lá do arame farpado que já estava
caído e pagou cara a rebeldia, sacrificando uma perna devido ao rebentamento de um
dos engenhos assassinos colocados em terra que é sua.
Eu vi, ali à minha frente, o desespero de tanta e tanta gente, gente como qualquer um
de nós, que se lançava para cima das minas e que, apenas por sorte ou por ser de
imediato agarrada não perdia ali a vida… senti, tão forte, a força que a luta pela
liberdade transmite a cada ser humano e o apelo que lança a cada um dos que a
procuram… aquilo é coisa que mexe connosco, que nos abala, que arrepia, que
comove… naqueles momentos tão intensos, na nossa cabeça misturam-se emoções
que se agitam com os gritos que enchem o silêncio daquele imenso deserto…
Entretanto, o dia vai chegando ao fim e, por detrás das dunas, o sol começa a pôr-se
lento e lindo…Olhá-lo é um momento único de paz, naquele espaço de guerra… A
tranquilidade parece tomar conta do imenso areal, mas é aparente, pois o coração dos
saharauís continua a fervilhar de razão e de razões… os nossos, solidários, decidiram
entregar-se a uma causa que é nobre e que só nos pode orgulhar por a abraçarmos: a
causa da vida, da vida humana, da vida condigna, da vida em liberdade! Como é
possível, homens e mulheres sujeitarem outros homens e mulheres a tais condições?!
Mas a verdade é que sujeitam…
Num misto de Amor e Indignação, os nossos corações acompanham o pôr do sol e o
caminho percorrido pela lua que vai tomando conta do céu… lua cheia… cheia de
esperança num futuro que, solidariamente, nós portugueses e portuguesas, nós
professores e professoras, temos a obrigação de ajudar a construir.
Mário Nogueira
Professor; Secretário-Geral da FENPROF
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